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sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Candomblé e Natureza: Um culto ao Criador e a criação

Falar sobre Candomblé hoje, para os adeptos mais preocupados e mais ativos quanto à religião, não significa apenas discutir sobre assuntos do terreiro, orixás e obrigações.
Hoje convido a todos para percebermos sobre o espaço em que a nossa religião está inserida, falando sobre a Terra e seus recursos, essa grande mãe que nos fornece além da possibilidade de vida, a possibilidade de termos uma fé, uma crença que se baseia totalmente no seu funcionamento.
Se fizermos um balanço entre os pensamentos que existem nas diversas partes do mundo, veremos diferenças gritantes entre estes pensamentos e conceitos.
Estamos inseridos numa sociedade de cultura ocidental, judaico-cristã, a cultura de onde surgiu o conceito econômico mais forte mundialmente, o capitalismo, e de onde surgiu e está cada vez mais inerente a nós a globalização. O dia tem hora pra começar e terminar; andamos nas ruas correndo, vidrados nos relógios; o trânsito é um caos: buzinas, berros, chingamentos; pessoas que se esbarram nas calçadas e nem se pedem desculpas. Falta gentileza, falta o pedir licença, falta o obrigado. O individualismo cresce, o egoísmo idem, a violência cresce e nisso, por causa desse tempo louco, dessa falta de calma que nos habita, cresce desordenadamente também o número de pessoas estressadas, depressivas, à beira de um ataque de nervos, que descontam seus vazios no consumo de remédios e de bens materiais como se o dinheiro comprasse a felicidade…
A ideia de que o dinheiro move o mundo e o dinheiro compra tudo está também inserida na nossa sociedade, a vontade para o “agora” é a que prevalece, então, se agora queremos energia elétrica construímos usinas hidroelétricas, independentemente dos prejuízos que estas usinas possam trazer à biodiversidade local, ou à cultura de um povo “despejado” da sua própria terra; queremos móveis nas nossas casas independentemente da madeira ser de uma área de floresta protegida; não queremos que as ruas encham d’água durante as chuvas, mas não deixamos de lançar na rua, ou pela janela do carro, ou do coletivo, latas de refrigerantes, embalagens de comidas ou qualquer outro produto que não nos sirva mais.
Nós queremos uma vida melhor não só quanto à comida e educação: queremos cidades mais limpas, mais puras, não sermos contaminados por uma leptospirose, por exemplo.
Mas pouco as pessoas têm feito para mostrar esse tipo de cidadania.

Com tudo isso, a níveis urbanos, ou a níveis mundiais, quero falar sobre a natureza. A humanidade pede socorro e esse fato não é um terrorismo de pensamento, é uma realidade. Nós, como criados numa cultura ocidental aprendemos indiretamente que a natureza está para suprir as nossas necessidades. Aprendemos que o homem está acima dela, que Olorun/Deus criou o homem sua imagem e semelhança e criou a natureza para servir a este homem criado a partir de Olorun. A partir desta concepção, a natureza é explorada, é extrapolada e vem sendo destruída pelo homem.
Como na natureza (assim como na vida) tudo é um ciclo, uma cadeia, sempre há as reações. Diferenças drásticas de temperatura são reações, chuvas torrenciais inesperadas são reações, queimadas desordenadas e quase incontroláveis em vários ecossistemas também são reações, e todas estas reações afetam de maneira direta ou indireta os ciclos que fazem a Terra funcionar e conseqüentemente também a nós, seres humanos, os seres causadores da maior parte de todo este silencioso caos.
Nós fomos criados numa cultura ocidental, porém fazemos parte de uma religião que tem como sua raiz conceitos totalmente contrários aos desta cultura.
Somos ramificações da natureza, fazemos parte dela, assim como ela faz parte de nós. Do que seríamos nós sem ela, do que seria nossa religião sem ela? Seria possível dar continuidade às nossas tradições sem a natureza? Não, meus irmãos. Nossos antepassados em África e também aqui no Brasil nos ensinaram que a natureza vem em primeiro lugar: agradamos a mãe Terra quando agradamos nossos orixás, saudamos a mãe Terra quando saudamos aos nossos orixás, tocamos a mãe Terra, pedimos sua licença, antes de cumprimentar um orixá ou um mais velho dentro da religião.
Nós temos as nossas divindades que fazem parte dos elementos da natureza. Elas estão representadas nestes elementos e os elementos estão representados nelas: os orixás. Olorun deu aos orixás seu respectivo elemento para que cada um o representasse, fosse responsável e com a ajuda dos humanos mantessem o equilíbrio entre a natureza e os seres habitantes da Terra. Nós não estamos acima da natureza e nem abaixo da natureza, pois fazemos parte dela, vimos dela e seja de qualquer maneira, voltaremos para ela.
Provavelmente, se esse pensamento fosse mais coletivo, a natureza não estaria revidando de forma tão agressiva ao tratamento que a temos dado. Por isso, nós como pertencemos a uma religião que tem por base esta natureza e dependemos dela para continuar na nossa fé, temos sim o dever de tentar impactá-la o menos possível, tanto como cidadãos nas ruas evitando lançar o lixo em outro lugar que não seja uma lixeira, por exemplo, como a nível religioso, como por exemplo, a disposição dos ebós quando levados para fora do terreiro ou quanto às oferendas direcionadas a Yemanjá no mar ou a Oxum nos rios, pois aqueles vidros de perfumes, ou outros objetos de plástico ou de vidro não somem simplesmente dentro da água, eles permanecem ali ou são levados de correnteza em correnteza e demoram dezenas ou centenas de anos até sejam decompostos.
Não quero aqui propor uma mobilização para sermos “politicamente corretos”, não é isso de maneira alguma. Apenas penso que se os diversos setores da sociedade se mobilizarem para contribuir com o meio ambiente, estas mobilizações, ainda que pequenas, em seu grupos, repercutirão em ótimos resultados se forem observadas numa visão geral. E eu, como religiosa e esperançosa quanto ao futuro da religião a partir dos meus netos e tataranetos, me vejo no dever de contribuir de alguma maneira para um ambiente mais limpo, menos poluído e uma natureza viva e presente no nosso Candomblé nesta e noutras gerações.
Axé!

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